O Presidente

Ao longo dos 27 anos que esteve ligado à federação, 24 deles como presidente, Mário Saldanha viveu momentos felizes e menos felizes.

Criou projetos, viu muitos deles serem implementados com sucesso, assistiu ao êxito de Seleções e até chegou a chorar…

 

Ficou algum projeto inacabado ou por implementar durante a sua presidência?

 

Desde logo, e em primeiro lugar, a pretendida nova sede da FPB, tantas vezes prometida pela tutela, tendo mesmo sido concedidos apoios semelhantes a outras Federações. Neste momento a Federação funciona num espaço que temos de considerar arcaico, com poucas condições de trabalho e falta de estacionamento. E não tenho dúvidas que este último aspeto, o estacionamento, tem influência na assiduidade das pessoas que não são profissionais mas ainda assim colaboram com a Federação. Não posso deixar de fazer referência a um projeto interrompido, única e exclusivamente pela falta de apoios financeiros. Fomos a única Federação que chegou a ter 6 Centros de Treino em funcionamento, e neste momento estamos reduzidos a 2, um feminino e um masculino, já que nos vimos obrigados a ter que abandonar os restantes 4 por falta de verbas. Apenas mantivemos estes dois, por serem comparticipados em parte pelo IPDJ.

 

Acha que o dirigismo português é um dos problemas do basquetebol português?

 

Não. É uma das vantagens para que possa existir desporto em Portugal. Sem os dirigentes benévolos não haveria desporto no nosso país. Provavelmente só existiria o futebol. Continuo a acreditar que temos dirigentes competentes, temos é falta de apoios financeiros que permitam e criem condições para que os clubes consigam fazer crescer e oferecer melhores condições aos seus praticantes.

 

Consegue apontar qual o principal motivo que o levou a estar no comado da FPB durante 24 anos?

 

Sem dúvida que foi a grande paixão que sinto pelo basquetebol. Naturalmente que depois disso vem o respeito e a consideração por todos aqueles que ao longo das minhas presidências aceitaram dar o seu contributo em prol da FPB. Nunca os quis, e muito menos seria capaz, trair ao sair de uma forma abrupta e furar as expectativas de quem trabalhava comigo.

 

Caso fosse possível, sentia-se motivado para continuar a exercer as funções de FPB?

 

Temos de ser conscientes. Sei bem que 27 anos representa um período muito longo e que as renovações se devem dar. No entanto, confesso que estou um pouco em desacordo com o regime jurídico que limita o número de mandatos. Entendo em parte, que a medida, no seu espírito, justifica-se de forma a que possa existir lugar a mudança, não concordo é que tenha de ser por decreto.

 

Quem vota são pessoas do âmbito da modalidade, perfeitamente conhecedoras da realidade, e não pessoas anónimas que são chamadas a decidir sobre algo que desconhecem ou estão pouco informadas. Embora possa igualmente apontar alguns erros a este novo regime jurídico, já que ao colocar a votar árbitros, treinadores, jogadores, clubes e associações, fez com que haja um discrepância muito grande entre quem verdadeiramente promove o basquetebol a nível distrital que são as associações. Vale tanto um voto de uma associação, que pode representar 30 ou 40 clubes e 3000 atletas, como o da associação de jogadores que tem 8 votos, mais 1 por inerência, que nunca estão presentes nas Assembleias a exercer a importância que lhes foi atribuída.

 

Julgo que este é em exemplo de uma medida política que quando aplicada no desporto se torna distorcida. Um Presidente de uma Federação não muda para a Federação ao lado, salvo casos pontuais Existe muita gente do basquetebol que iniciou a sua atividade de dirigismo e que agora ocupam cargos de grande prestígio e responsabilidade nacional: Fernando Gomes, Hermínio Loureiro, Santana Lopes, Emídio Guerreiro, Secretário de Estado do Desporto que para além de ter jogado transportou muitos jovens do minibasquete, Augusto Baganha, que chegou a ser capitão da Seleção nacional sénior, e muitos outros. Isto prova que o basquetebol forma pessoas que depois são aproveitadas para desempenharem outras funções. Infelizmente em Portugal não conseguimos criar sinergias para que continuem a trabalhar no basquetebol.

 

Consegue apontar o momento mais e menos feliz durante a sua vigência como Presidente da FPB?

 

Momentos felizes tenho que ter tido muitos tendo em conta a realidade do nosso país e posso enumerar alguns. Vamos por partes, a organização do Mundial de juniores de 1999 que correspondeu a 100% às nossas expectativas e a tudo aquilo que trabalhámos. Em 2006 a qualificação para o Campeonato da Europa. Foi um momento épico, em que chorei bastante após a vitória, em Paredes, frente a Israel. O 9º lugar alcançado no ano seguinte no Europeu de 2007. Nem queríamos acreditar que seguíamos para Madrid para disputar a segunda fase da competição.

 

Outros projetos encheram-me de orgulho, e destacaria a organização das Festas e dos Comboios do Basquetebol Juvenil, um marco histórico que continua a existir embora em outros moldes. A criação da Liga de Clubes foi um passo importante, mas provavelmente terá sido um passo maior do que a perna. Ainda o Basketball Without Borders que abriu portas a alguns atletas para jogarem e estudarem nos EUA (Daniel Relvão), e o mesmo sucedeu com treinadores (Daniel Monteiro, João Rocha e Carlos Barroca, diretor de Operações da NBA na Índia).

 

Não nos podemos também esquecer do 3×3 nas Escolas, agraciado com um prémio internacional do Comité Olímpico bem como de vários Campeonatos da Europa, que para além de sucessos organizativos também foram sucessos desportivos

 

Que linhas orientadoras considera importantes deixar ao seu sucessor?

 

Algumas delas estão implantadas na Federação Portuguesa de Basquetebol. Espero que o próximo presidente seja uma mais-valia para o desenvolvimento, ainda maior, da modalidade. Alguém que revele capacidade suficiente para assumir e dinamizar as linhas orientadoras já existentes, e aquelas que ele próprio queira implantar.

Julgo ser fundamental voltar a obter resultados a nível internacional como os obtidos em 2007, sendo para isso necessário o envolvimento de todos os agentes da modalidade. O atleta português tem que voltar a ter um lugar de destaque nas competições nacionais. Para isto é fundamental a participação de mais clubes portugueses em competições europeias e continuar com a limitação de jogadores estrangeiros.

Considero também que, voltar a organizar a extinta Super Taça Compal, competição que existiu apenas na nossa modalidade, seria fundamental para a afirmação do basquetebol no espaço Lusófono, conferindo à FPB um lugar de destaque entre as suas congéneres. 

 

 

 

 

Curiosidades de uma vida…

 

Quando regressou a Portugal, depois de ter cumprido o serviço militar em Moçambique, Mário Saldanha estava com a febre de casar. A promessa de uma mobília de quarto, como prémio de assinatura, convenceu-o a aceitar o convite do Marinhense. Mas os planos saíram furados já que o clube acabaria por se extinguir antes mesmo do inicio da competição. Acabou por assinar pelo Benfica, no tempo em que o treinador era o saudoso Prof. João Coutinho. Mas não foi o único técnico a treinar Mário Saldanha, que relembra outros de grande qualidade como José Alberto e, em particular, Jay Griffin. Na altura o norte-americano era jogador-treinador e impressionou Mário Saldanha pela forma como revolucionou, na altura, o basquetebol português. Saldanha não mais esqueceu os vários tipos de defesa introduzidos pelo treinador americano, e que tanto sucesso teve, já que o Benfica venceu todos os títulos.

 

O basquetebol não era garante de independência financeira e Mário Saldanha teve que procurar uma atividade complementar. Acabaria por ir trabalhar para a Torralta, facto que explica ter começado a treinar no Clube Desportivo da Covilhã, isto apesar de jogar pelo Queluz ao fim-de-semana, que na altura participava na 2ª divisão. Mário Saldanha contribuiu para que o clube de Sintra subisse à 1ª Divisão, numa altura em que era simultaneamente dirigente, tendo feito parte de uma comissão que foi responsável pela construção do atual Pav. Henrique Miranda. Isso proporcionou que o clube deixasse de jogar no Pav. da Académica da Amadora e passasse a ter casa própria.

 

Depois de algum tempo como diretor do departamento de basquetebol do Queluz, uma fase de que se orgulha pelos títulos conquistados pelo clube, Saldanha chega com naturalidade à presidência (84/85). O campeonato conquistado pelo Queluz, em que a fórmula de disputa pressupunha dois fins de semana de competição, está bem presente na memória do Presidente, para quem os jogos realizados no Pav. do Beira Mar e da Tapadinha são inesquecíveis.

 

O ano de 1987 marca a chegada de Mário Saldanha à Federação Portuguesa de Basquetebol, pela mão do Presidente General Hugo dos Santos, um dirigente de quem Saldanha tem uma grata recordação. Perdeu umas primeiras eleições, precisamente frente ao General, mas nunca perdoou a traição de que foi alvo à boca das urnas pelo então delegado de Coimbra que lhe custou a eleição. Mas o lugar parecia-lhe estar destinado e não levou muito tempo para que ocupasse a liderança da Federação Portuguesa de Basquetebol. 

29 OUT 2014