Philippe da Silva: “Quero fazer a minha parte para que Portugal seja bem representado”

Ricardo Brito Reis esteve à conversa com o treinador

Seleções
12 AGO 2025

Em entrevista exclusiva à Federação Portuguesa de Basquetebol, Philippe da Silva faz o balanço da época no Nanterre, onde chegou aos quartos-de-final da Basketball Champions League, e antecipa os desafios que o aguardam no Saint‑Quentin. O treinador reflete ainda sobre o regresso da Seleção Nacional à fase final do EuroBasket — 14 anos depois da sua última presença como jogador — e sobre o orgulho de ver o filho Anthony entre na convocatória alargada da equipa das quinas. Fala também da sua ligação a Victor Wembanyama e analisa o impacto crescente de Neemias Queta nos Boston Celtics.

Novo ciclo à frente do Saint-Quentin. Estás entusiasmado para este novo desafio?

Estou muito entusiasmado. Muita excitação e ambição. Esta mudança abalou um pouco o meio do basquetebol em França, porque foi a primeira vez que houve uma troca direta de treinadores: o anterior técnico do Saint-Quentin foi para o Nanterre e eu fui do Nanterre para o Saint-Quentin. Isto não estava previsto — ainda tinha mais um ano de contrato com o Nanterre. Quando surgiu a notícia, foi um choque, até porque estávamos a disputar a Basketball Champions League num momento alto da época. Muitas vezes, estas notícias podem ser falsas, mas há quase sempre alguma coisa de verdade. E, neste caso, era mesmo verdade — soube cedo que estavam a tentar concretizar essa mudança. As coisas não foram feitas da forma que eu esperava, depois de tantos anos no clube e de tudo o que dei ao Nanterre. Queria cumprir o meu ciclo de dois anos. Foi uma surpresa, sim, mas encaro-a como uma oportunidade para mostrar que sou capaz de ter sucesso noutro clube, com novas pessoas e num projeto onde posso construir a equipa à minha imagem.

Depois de tantos anos no Nanterre, sendo escolhido para suceder a uma figura emblemática como Pascal Donnadieu, como solução de continuidade e homem da casa, imagino que essas notícias te tenham entristecido. Mas conseguiram a manutenção apesar de muitos problemas de lesões. Atinges os quartos-de-final da Basketball Champions League — nunca nenhum treinador português tinha chegado tão longe nesta competição europeia. Faz‑me um balanço completo da época, a todos os níveis.

Foi uma época intensa e muito enriquecedora em termos de experiência. Para mim, o primeiro sucesso de um treinador é ter a confiança total do clube, e logo na pré‑época percebi que isso não ia acontecer. Como referiste, o Pascal ficou à volta da equipa, o que acabou por alterar o que eu pensava fazer em termos tácticos. Mesmo assim, sem escolher os jogadores, consegui tirar o melhor rendimento possível. Isso foi um grande sucesso. A nossa campanha na Champions League superou as expectativas — basta ver as equipas que ficaram atrás de nós. Com os problemas de lesões, jogar uma dupla competição como a liga francesa — onde quase todos os fins‑de‑semana defrontamos equipas da Euroliga, EuroCup ou Champions — é exigente. O ritmo de jogos é elevadíssimo, o que mostra o carácter da equipa. Tentei transmitir precisamente isso: carácter. Foi uma época difícil, mas também muito enriquecedora. Tivemos jogos da Taça da Liga (a Leaders Cup, semelhante à Taça Hugo dos Santos), tivemos o play‑in da Champions… Fizemos 55 jogos, e em 34 jogámos com apenas oito jogadores. Assim é muito difícil manter a regularidade. O maior sucesso foi manter os jogadores comigo, focados e unidos, ainda mais difícil quando não construí a equipa, quando não pude escolher jogadores com os meus valores. Por isso, considero a minha primeira época como treinador principal, a este nível, um sucesso, não apenas em resultados, mas em termos de liderança, companheirismo, entrega e carácter. E, em termos de basquetebol, tentámos competir com os melhores.

E conseguiram competir contra equipas habituadas a jogar na Euroliga. Em off usaste uma expressão engraçada: «Vivi dez épocas dentro de uma só». Tu és um treinador novo, também em formação. O que é que esta época te deu como mais‑valia?

Assumir cada responsabilidade. Acho que falhei em alguns momentos — por exemplo, não assumi que não aceitava certas contratações. E isso é determinante. A fase de recrutamento, em que constróis a equipa, dita o teu sucesso. E o facto de eu ser boa pessoa e de respeitar a identidade do clube com que trabalhei tantos anos fez com que aceitasse situações que hoje já não aceitaria. No Saint‑Quentin fui eu que construí a equipa à minha imagem. Se falhar, falho eu. Assumi plenamente a escolha dos jogadores e dos adjuntos que me acompanham. Um treinador comete erros — como jogador também cometi muitos por ser jovem. Mas, no final da época, apesar do balanço positivo, houve momentos em que errei. E é isso que quero evitar repetir.

Estás numa liga com várias equipas de Euroliga — equipas que, à partida, estão acima do Nanterre e do Saint‑Quentin na hierarquia e nas ambições. Na próxima época, acredito que os olhos da imprensa estejam especialmente atentos a esses dois clubes, por causa da narrativa criada com esta troca directa de treinadores. Estás preparado para essa pressão adicional?

Sim. No Nanterre, assumi o lugar de uma figura emblemática do basquetebol francês. Agora, no Saint‑Quentin, sucedo a outra figura extraordinária — o treinador que levou o clube à primeira divisão e, no primeiro ano, a uma competição europeia. Para veres a dimensão: deram o nome dele a uma das bancadas. Saint‑Quentin é uma cidade onde se vive basquetebol. Costumam compará‑la a Limoges em termos de público — uma espécie de Partizan de Belgrado. Os adeptos são incríveis. E isso traz um olhar ainda mais atento. Mas faz parte do nosso desporto. Eu estou de passagem — qualquer treinador ou jogador está. Agora, a história que constróis é tua: pela forma como trabalhas, te dedicas e lideras. Acredito que tenho essa personalidade que faz com que as pessoas se esqueçam do treinador anterior. Foi o que aconteceu este ano no Nanterre. Claro que o Pascal será sempre uma referência, mas as pessoas identificaram rapidamente que havia um novo treinador, com outro estilo de jogo e outra personalidade. Isso é mais uma motivação para mim.

E, se há quatro bancadas no pavilhão, quem sabe se uma delas pode vir a chamar‑se «bancada Philippe da Silva» daqui a uns anos.

Nunca se sabe. Há muitos portugueses, muitos emigrantes. A cidade tem uma comunidade portuguesa muito grande.

Vais ter muito apoio de portugueses, então…

Sim, vou ver algumas bandeiras.

E vai haver também conversa em português no balneário, porque uma das tuas contratações foi o Pedro Nuno Monteiro, alguém da tua confiança. Ter ao teu lado alguém em quem confias foi determinante, sobretudo depois do que aconteceu no Nanterre?

Sem dúvida. Era muito importante trabalhar com alguém em quem confiasse, com quem partilho a mesma visão de jogo e filosofia. Mas, acima de tudo, alguém com quem possa falar abertamente, que me alerte e diga: «Olha, tem cuidado com isto». Isso é fundamental num staff. E tive uma boa surpresa quando soube que um dos treinadores adjuntos com contrato tinha muita experiência nesta liga. Fiquei contente. Este trio técnico é muito importante para mim: a confiança, a lealdade, a honestidade entre nós e a competência de todos fará com que os jogadores não sintam lacunas. Isso foi um erro meu no ano passado: não me impus no staff. Trabalhei com uma pessoa que não partilhava a minha filosofia nem os meus valores humanos, e as coisas não correram bem. Este ano surgiu a oportunidade do Pedro. Ele mostrou logo interesse em vir para França e mudar de função — quando falo em mudar de função não é por desvalorizar o papel de adjunto, é porque ele vai ter uma missão importante, com responsabilidades. O Pedro estava a terminar contrato na Roménia e também queria esta aventura. O processo não foi fácil, porque em França os diplomas portugueses não têm equivalência total, e isso tornou tudo mais demorado. Mas estou muito feliz: terei ao meu lado alguém em quem confio, leal e competente. Como sempre disse, quero fazer a minha parte para que Portugal seja bem representado em França. O Dinis Amaral fez um excelente trabalho como adjunto no Évreux, com o Anthony (da Silva). Ele mostrou o seu valor, os outros treinadores viram o que trouxe à equipa. E não tenho dúvidas de que há mais treinadores portugueses que merecem oportunidades. É preciso criá‑las, ajudar, e garantir o sucesso. Muitos olhos estarão em mim e no Pedro. Temos essa responsabilidade: ser competentes e fazer bem o nosso trabalho.

Uma das marcas do teu bom trabalho é o facto de teres sido um dos treinadores que passaram pela formação de Victor Wembanyama. Porque é que o Victor é especial?

Está sempre à procura de ser melhor — como pessoa, como atleta, como irmão, como amigo. Quer ser melhor em tudo. E tem apenas 20 anos. A maioria de nós, com essa idade, não pensa assim. E, hoje em dia, todos procuram protagonismo. Ele não.

Qual foi a coisa que ele te fez ou disse, na sua formação, que mais te surpreendeu?

Houve um momento que me marcou. Estávamos a trabalhar movimentos de poste — jogo interior — e ele aproximou‑se e perguntou: «Philippe, podemos treinar movimentos de base?» Respondi que sim. E ele disse, com toda a naturalidade: «Quero jogar nas cinco posições. A primeira letra do meu nome é um V. Em números romanos, o V é cinco. E quero jogar nas cinco posições».

Com que idade disse isso?

Quinze anos.

Isso obriga-te, como treinador, a evoluir também. Ele exigia um desafio constante.

Sempre. Durante os dois anos e meio em que o treinei, puxava por mim todos os dias. Queria sempre perceber tudo. Queria saber porque fazíamos assim e não assado, qual era a lógica. Então tínhamos de lhe mostrar vídeo, provar com situações reais. Houve exercícios que nunca tinha feito e pensava: «Será que isto vai funcionar?». Mas, com ele, sabia que era possível. Ele obriga-nos a ser melhores.

Tiveste a oportunidade de o visitar nos Estados Unidos, em San Antonio, numa altura em que o Neemias (Queta) também estava por lá.

Sim, foi nesse jogo. Vi o Neemias ao vivo e fiquei muito impressionado com a evolução dele. Fez uma época ainda melhor do que a anterior. Defensivamente, é incrível: tapa buracos, é móvel, tem uma envergadura impressionante. E, sobretudo, entrega-se. O Neemias é um trabalhador incansável. Tem esse carácter de dar tudo pelos outros, pela equipa. Com a saída de três interiores em Boston, acho que será uma aposta muito forte. E ele merece. Porque na NBA nada é dado, ainda mais numa equipa como os Celtics. Nós, portugueses, devemos estar orgulhosos do percurso dele e do que pode fazer na próxima época.

O Neemias está agora com a Seleção Nacional, que regressa ao EuroBasket 14 anos depois. Deve ser um momento especial para ti. Não só por Portugal estar de volta, mas porque há alguém muito próximo na convocatória…

Sim, o Anthony. Antes de mais, estou muito orgulhoso desta geração. O Anthony juntou‑se no verão passado, mas o grupo já era sólido: Neemias, Rafael Lisboa, Diogo Brito, Miguel Queiroz, Diogo Ventura… Todos fizeram sacrifícios, trabalharam muito e superaram dificuldades. Lembram-me a minha geração: companheirismo, carácter, resiliência. E agora escreveram mais uma página da história: Portugal está de volta ao EuroBasket, 14 anos depois. Que desfrutem. E, claro, ver o Anthony envolvido tem um sabor especial. Em 2007 ele tinha cinco anos e já me acompanhava em estágios da Seleção. Agora, poder estar ali com a camisola da equipa nacional é um orgulho enorme como pai.

Costumam falar muito sobre isso?

O Anthony é muito maduro. Está ligado ao basquetebol desde sempre, mesmo antes de jogar, só por estar ao meu lado. Sabe o que tem de fazer, quando joga bem ou mal, o que a equipa precisa. Tem essa noção. Claro que falamos, dou-lhe algumas dicas sobre como entrar num grupo que já existe, como se integrar e respeitar hierarquias. Mas ele é humilde, respeitador, bom colega. Foi bem recebido e vai ajudar os colegas a crescer e eles a ele.

Treinar o Anthony, como sénior, era algo que gostavas de fazer?

(Risos) Já o treinei na formação, e digo-te: treinar jovens é muito mais difícil. Nos escalões de formação, outros pais e colegas pensam logo: «Ele só joga porque é filho do treinador.» Nos séniores é diferente. Já têm maturidade para perceber se estamos a ser justos. Sabem quando um jogador joga porque trabalha e porque merece. Por isso, nessa fase é mais tranquilo.

Seria fácil ou difícil lidar com o teu próprio filho dentro de uma equipa?

É difícil. Mas o Carlos Lisboa treinou o Rafael no Benfica e mostrou que é possível. O Carlos é uma referência no clube e o Rafa, só por ter aquele apelido, carregava uma responsabilidade enorme. Mas ele cresceu porque foi ele próprio, natural, autêntico. E isso é o que qualquer jogador tem de ser, seja o Anthony comigo ou com outro treinador. Nós, treinadores, também temos de ser autênticos. Se não fores justo com todos, se fores mais duro com uns do que com outros, a equipa sente. Mesmo com os americanos, que são os jogadores mais caros, não os podes pôr acima do que exiges aos restantes, isso quebra o equilíbrio. Para mim não é difícil, já vivi isso com o Anthony. É mais duro quando tens miúdos de 12 ou 13 anos, porque tens de manter a distância entre pai e treinador. Aí, sim, é complicado.

Há pouco tempo entrevistei o João “Betinho” Gomes e ele disse-me que não gostava de jogar contra ti porque defendias a campo inteiro e que te considera um dos seus ídolos.

Só posso agradecer. Vindo do Betinho, que tem uma carreira extraordinária e é uma pessoa incrível, sabe ainda melhor. Não estava à espera, porque ele jogou com grandes jogadores. Sempre tentei jogar com paixão e humildade, ser respeitado e respeitar os outros, competir com carácter. Ouvir isso do Betinho é especial. Ele ainda faz a diferença com 40 anos. Aliás, há três ou quatro anos quis contratá-lo para o Nanterre. Procurava um 3/4 e ele era perfeito. Mas foi uma escolha de família — a Sofia Ramalho estava em Portugal, os filhos também — e ele ficou. Percebo perfeitamente. Mas qualquer treinador gostaria de ter o Betinho na sua equipa. Aos 40 anos, continua a ser decisivo.

Que mensagem gostavas de deixar à Seleção Nacional, que se prepara para jogar o EuroBasket contra jogadores como Nikola Jokić, Kristaps Porziņģis, Alperen Şengün…?

Acima de tudo, que tenham muita paixão pelo que fazem. Que mostrem entrega no dia a dia, porque vão ter de jogar no limite. Aproveitem ao máximo esta oportunidade. Representar Portugal é representar uma nação, um povo, o basquetebol português. O nosso professor Valentyn Melnychuk dizia sempre: «Respeitem os outros, mas respeitem‑se a vocês próprios.» Qualquer um deles poderia estar noutra seleção — não lhes falta qualidade. Que usufruam da experiência, que criem boas memórias com os colegas, com o staff, com todos na Federação. São momentos que ficam para a vida. E que joguem com alegria — isso é o mais importante.

A Sérvia é o grande favorito ao título europeu?

Sim, para mim, é a favorita. As últimas campanhas, tanto nos Jogos Olímpicos como no Mundial, mostram que estão a crescer. Têm o melhor jogador do mundo. O Jokić pensa o jogo e torna‑o fácil para todos. E Portugal vai defrontar essa equipa. É um orgulho para mim, porque é como quando jogámos contra a Espanha, em Sevilha, em 2007: eles eram campeões do mundo e nós competimos. Agora é a vez dos nossos jogadores — o Queiroz, o Neemias, os bases que vão defender o Micić, o Brito a defender o Bogdanović… Vai ser uma experiência inesquecível para todos eles.

Tu jogaste por Portugal, mas tens uma ligação forte à França. Vais também torcer pela seleção francesa neste EuroBasket?

Sim, tenho muitos amigos e jogadores que conheço bem. Mas a minha primeira seleção é Portugal, sem dúvida. França é a segunda. Mesmo sem o Victor Wembanyama, o Rudy Gobert, o Evan Fournier, o Nicolas Batum… a seleção francesa continua fortíssima. Tem jogadores da Euroliga e da NBA, uma nova geração cheia de talento. Mas, se me perguntares quem é o favorito, para mim é a Sérvia. Vêm com o Nikola Jokić, o Bogdan Bogdanović, o Vasilije Micić… Claro que há a Alemanha, campeã do mundo; há a Espanha; a Grécia, agora com mais lançadores à volta do Giánnis Antetokounmpo; a Eslovénia, com o Luka Dončić mais magro que nunca (risos)… Mas penso que a Sérvia está com um foco especial.

Nos últimos anos temos visto treinadores jovens a chegar longe: o Tuomas Iisalo, por exemplo, passou da EuroCup para a Euroliga e agora está na NBA. Disseste há tempos que o teu sonho é chegar à Euroliga. Ainda é?

É, claro. É onde se joga o melhor basquetebol e onde se aprende mais. Quero trabalhar para isso. Mas também depende das oportunidades. O Iisalo contou a história dele — se não fosse um director desportivo a apostar nele, talvez nunca tivesse tido aquele percurso. Para mim, mais do que a Euroliga, o importante é continuar a crescer como treinador e como pessoa. Se um dia lá chegar, óptimo. Se não chegar, ficarei satisfeito na mesma, porque dei tudo.

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Fotografia de Capa – FIBA

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