«Amor à Académica faz-me continuar»

O capitão do basquetebol da Académica está há 25 anos no emblema estudantil e pondera dedicar-se mais à vida familiar.

Atletas | Competições
13 NOV 2013

Fernando Sousa é um dos símbolos do basquetebol da Académica que foi vice-campeão nacional na temporada transata. Numa longa entrevista ao jornal Diário de Coimbra, o internacional português recapitula os momentos mais marcantes da sua carreira de basquetebolista.

Há quanto tempo dura esta ligação ao basquetebol da Académica? É uma ligação que acontece desde 1988, ou seja está a fazer 25 anos. É uma ligação que tem sido longa, com altos e baixos, e estará perto do fim. Mas principalmente para mim tem sido uma ligação muito boa, porque fez-me crescer em muitos aspectos. Estar 25 anos no mesmo clube não é assim tão comum… Há mais casos, mas, de facto, não é comum. Houve muitos fatores que contribuíram para isso. Primeiro o amor ao clube que é um dos motivos que me faz continuar aqui, pois identifico-me com o clube. Depois durante a formação fui um atleta que não sobressaiu muito, pelo que nunca tive grandes aliciantes para sair. Tive convites mais tarde, mas, se calhar, já não tão oportunos. E depois julgo que o facto de estar na cidade, manter-me junto da família e dos meus amigos terá sido ainda outra razão para que esta ligação perdure. O seu salto qualitativo acabou por ser enquanto sénior?Sim, acabou por ser nos seniores e mais após os 22, 23 anos. Foi um salto em paralelo com aquele que a Académica deu nos últimos anos. Quando cheguei aos seniores a Académica estava na 3.ª Divisão e ao fim de três anos subiu para a Proliga e depois passados três, quatro anos ascendemos à Liga Profissional. Acabei por acompanhar a evolução da Académica. O gosto pelo basquetebol é imenso ou também houve paixões por outras modalidades? Gosto muito de desporto. Gosto de futebol, de ténis e da grande maioria das modalidades. Agora, sem dúvida que o basquetebol é uma paixão. Começou com um convite de um amigo aos 7 anos. Experimentei e o entusiasmo foi crescendo, também por culpa das amizades que fui fazendo que me permitiram sentir sempre bem e desejar continuar na modalidade. A grande mais-valia que uma pessoa leva de praticar um desporto é a quantidade de amizades que fomenta. Já se abriram portas para mudar de clube?Já se abriram as portas a nível nacional para mudar de equipa, mas no estrangeiro nunca se abriu, mas também nunca procurei. Isso também é um reflexo do basquetebol e da maioria das modalidades, excetuando o futebol. São poucos os jogadores em Portugal que conseguem sobreviver do basquetebol de uma forma sustentada. E nesta altura já não se vê a abraçar o profissionalismo? É completamente impossível. Acima de tudo, por causa da minha vida profissional (enfermeiro no IPO de Coimbra) que está relativamente estabilizada. Gosto do que faço e, além disso, a minha entidade patronal sempre me permitiu manter esta ligação ao basquetebol ao longo dos anos. Nunca poderei abdicar disso pelo sonho do profissionalismo que, nesta altura, é irreal. No local de trabalho brincam consigo por causa dos resultados?Trabalho num local onde seguem bastante a Académica. Depois de uma derrota ou de uma vitória é natural que ouça comentários. É bom saber que as pessoas nos seguem e têm preocupação com a atividade desportiva que praticamos. Foi difícil terminar a licenciatura enquanto jogador de basquetebol?Acabar o meu primeiro curso de Enfermagem não foi muito difícil, pois comecei a tirá-lo com idade ainda de júnior e quando cheguei aos seniores a exigência ainda não era tão grande. O curso de Gestão já foi mais complicado, pois tive de conciliar com a minha atividade profissional e também cheguei, nessa altura, a ser presidente da Secção de Basquetebol da Académica. Mas também consegui. Será, por certo, um exemplo para os colegas de equipa.O que tento transmitir é que as pessoas devem fazer o melhor que podem e não desistir de projetos por pequenas dificuldades. Passei por dificuldades durante estes anos e se um dia corre menos bem, no outro temos de fazer para que corra melhor. As coisas podem ser conciliadas. Não precisamos de abdicar de uma coisa para ter a outra. Olhando para trás, sente-se orgulhoso da carreira desportiva que construiu? Sinto-me orgulhoso e não me arrependo de decisões que tomei. O basquetebol deu-me muito e ainda vai dar. Depois de deixar de jogar vê- -se como treinador?Para já não. Não digo que no futuro não possa vir a ser treinador, dependerá sempre da minha vida pessoal e profissional, até porque é normal que as pessoas que estão no desporto devam transmitir os conhecimentos aos mais novos. Mas, neste momento, com o desgaste que tenho tido nos últimos anos é bom parar. Participar no Europeu de basquetebol não é para todos e ainda por cima Portugal vai poucas vezes. Foi um momento fantástico. É uma oportunidade de contactar com os melhores da modalidade e estar num ambiente em que o basquetebol é vivido de uma outra forma. Vi-o como reconhecimento, embora saiba que tive um pouco de sorte em ter lá chegado. Quer pelo facto da minha entidade patronal ter permitido que participasse até porque não era obrigatório, uma vez que sou profissional de enfermagem e não tinha de ter essa disponibilidade, mas também pela questão desportiva. Fiz boas épocas, houve uma lesão ou outra, e acabei por ser escolhido. A convocatória para mim foi um reconhecimento da carreira que tive. Qual foi o melhor cesto nestes 25 anos de basquetebol? O melhor foi na meia-final contra o Benfica há quatro épocas. Foi um cesto do meio-campo que, na altura, empatou o jogo no segundo prolongamento. Sensação? É indescritível, porque uma pessoa não tem a noção se a bola entrou ou não, mas esse é o cesto que ficou para sempre na minha memória. Ter ido à final do campeonato, mesmo não se sagrando campeão, terá sido o melhor momento da carreira? Por ser uma prova de regularidade, sem dúvida que foi o feito que exigiu mais consistência e teve um retorno maior face ao trabalho diário. Felizmente tive outros momentos bastante importantes, como a presença no Euro Basket 2011 pela seleção nacional portuguesa ou a subida à Liga. Agora, é verdade que ir à final do campeonato foi um momento muito alto. A equipa acabou por superar as expectativas?Julgo que sim. O ano passado jogámos sete desafios contra o Benfica e apenas ganhámos um que foi na final do campeonato. O Benfica era uma equipa com outros argumentos e com um poderio muito grande, mas fizemos uma grande época. De qualquer maneira, não deixou de ser para si uma temporada complicada, pois chegou a estar afastado por lesão. Sofri a primeira lesão grave da minha carreira. Fraturei o quinto metatarso e estive parado cerca de dois meses e meio. Mas apesar dessa lesão e de outros problemas que tivemos acabámos por provar que quando uma equipa funciona bem consegue-se ter resultados. Não foi o facto de estar ausente que veio fragilizar a equipa. Norberto Alves teve uma quota parte do sucesso? Sem dúvida. Foi o treinador que tive mais tempo enquanto sénior. Toda a gente conhece o trabalho do Norberto e sabe da grande qualidade que tem. Dependemos muito dele para o sucesso, como ele dependeu de nós. Foi uma relação perfeita. Com quase 32 anos o que lhe falta conquistar no basquetebol?Em termos desportivos, de prática como jogador, muito provavelmente esta será a minha última época. Recentemente fui pai (o Vicente nasceu há quatro meses) e há opções que se têm de tomar. É uma nova etapa da minha vida. Sempre estive no basquetebol com muito gosto, mas as pessoas têm de ter noção que para chegar a este nível eu e os meus colegas de equipa dispensámos muitas coisas nos últimos 10, 12 anos de sénior. A vida familiar e social acaba por ficar para trás…A vida familiar nem tanto, porque depois temos é de compensar. Não temos é tantas opções para articular com atividades de lazer. Mas, de facto, estou numa altura em que quero dedicar-me mais à vida familiar. Neste momento, saio de caso às 8 da manhã e regresso por volta das 21h30, 22h00. Não quero desperdiçar a oportunidade de ver o meu filho crescer. Está mentalmente preparado para o facto das pessoas ligadas à secção tentarem demovê-lo? Isso tem acontecido de ano para ano, mas tenho permanecido porque quero. Não estou a jogar contrariado. Mas já tenho essa situação definida para o próximo ano. Vai ser difícil largar o basquetebol Como é que o grupo encarou o impasse a nível diretivo? Não foi fácil, mas as coisas têm sido faladas. Os jogadores têm tentado cumprir com as suas obrigações, mas chega-se a um ponto em que por vezes a motivação não é a melhor. Mas, neste momento, há direção. É um primeiro passo? Sim e estamos a aguardar que sejam tomadas decisões. Os resultados não têm sido os melhores. A inexperiência do plantel – é composto na sua maioria por jogadores acabados de sair da formação – tem o seu peso? Julgo que terão de ser feitas algumas alterações, mas não me compete a mim falar sobre isso. Agora, quando cheguei aos seniores, com 18 anos, se me tivessem colocado num campeonato deste nível não teria feito nada e provavelmente não teria crescido o que cresci até hoje. Nem para eles, nem para nós a situação é positiva, porque julgo que não estão preparados, como não têm de estar, como eu não estaria. A formação é boa e dá resultados a crescer de forma sustentada, como eu cresci, como o Bruno Costa e o Pedro Rebelo cresceram, “queimando” etapas.

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13 NOV 2013

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