Carlos Lisboa (Parte II) «Tivemos jornadas europeias incríveis»

As grandes vitórias do Benfica na Europa e os fantásticos desempenhos de Lisboa nesses jogos, e não só, deram origem a um cântico que ainda hoje se ouve no pavilhão da Luz: “cheira bem, cheira a Lisboa”.

Atletas | FPB
21 NOV 2010

Uma homenagem dos adeptos que deixa o ex-jogador lisonjeado, mas que faz questão de partilhar com os antigos companheiros de equipa. Saiba também nesta parte da grande entrevista o que falhou para que Lisboa não tivesse rumado à NBA, em meados dos anos 80.

É verdade que foi sondado por uma equipa da NBA? Foi em 1984/85, já tinha feito uma época pelo Benfica. As equipas de Toronto e Vancouver só apareceram passados 4 ou 5 anos e naquela altura houve a hipótese de um patrocinador da América do Sul criar uma equipa. Recebi uma carta, que ainda tenho, de um treinador, que seria o treinador da equipa, a convidar-me para eu fazer parte do plantel. Naquela altura era muito difícil surgirem equipas, era preciso preencherem uma série de requisitos. Jogar na NBA é máximo que pode acontecer na carreira de um jogador, mas infelizmente, ou felizmente, acabei por não ir, a equipa não se formou. Só surgiu 5 ou 6 anos depois. Os números que foram falados, mesmo naquela altura eram astronómicos, e eu nem dormia, era o sonho de qualquer jogador… Recebi depois uma carta em que me explicavam que a equipa não se formava porque havia uma série de normas que eram necessárias. Naquela altura nem sei se havia algum jogador na NBA que não fosse americano.E de clubes europeus? Recebeu convites? Sim, tive um convite de uma equipa francesa quando jogava no Queluz. Foi do Stade Français – disputámos um torneio com eles, que ganhámos –, onde jogava o Kikanovic, um grande jogador, que estava em fim de carreira. Ele tinha uma hérnia nas costas e as pessoas do clube acharam que eu poderia enquadrar-me dentro do estilo de jogo dele. Mas depois, por questões que não vêm ao caso, acabou por não se concretizar. Tive também convites para jogar em universidades norte-americanas. Da primeira vez que fui aos Estados Unidos jogava pouco tempo, mas depois estive numa série de universidades e em quase todos os jogos tinha uma universidade que me perguntava se queria ir para lá jogar e estudar, mas acabei por nunca ir. Deixei de jogar em 1996 e a Lei Bosman só apareceu no ano seguinte. Por isso nunca tive a hipótese de jogar na Europa como comunitário.Tem noção de que foi o único atleta das modalidades do Benfica equiparado a uma estrela de futebol? (Pausa) Tenho noção que sou uma figura do Benfica e do basquetebol do Benfica, não só por tudo o que fiz pelo clube mas também por tudo o que Benfica agora faz por mim. O meu nome está ligado à história do Benfica, eu sei disso. Mas custa-me às vezes falar nisso, as pessoas podem pensar que estou a ser pretensioso… (Pausa) Sei que sou uma figura do Benfica, o clube reconhece isso, os sócios sabem-no e consideram-me um símbolo do clube.Lembra-se quando apareceu o cântico “cheira bem, cheira a Lisboa”? Foi aqui no Benfica, durante os jogos. O expoente maior foi quando ganhámos ao Partizan. Quase que me vieram as lágrimas aos olhos quando na parte final, numa fase em que já tínhamos ganho o jogo, o pavilhão inteiro pôs-se a cantar. Deixava-me arrepiado, contente e muito feliz. Sou uma pessoa reservada mas aí extravasava a minha relação com as pessoas, era uma coisa espontânea, não queria armar-me em vedeta, porque que não o sou. Gostava de sentir essa relação com o público do Benfica e os adeptos retribuíram com esse cântico, por estar a jogar bem, por ser de Lisboa…Mas isso aconteceu quando? Já estava no Benfica há alguns anos. Ainda hoje isso acontece… Acho que já faz parte da mística do basquetebol do clube. Como o lançamento que eu fazia antes de começar o jogo e outros tiques de outros jogadores, isso ficou ligado ao Benfica e ao basquetebol benfiquista. Já ouvi a canção em outras modalidades, por ser em Lisboa. No basquetebol tem a ver com aquela equipa maravilha que nós tínhamos. Sentia-me lisonjeado por cantarem o meu nome, mas acho que todo o valor do Benfica se centrava em toda a nossa equipa. Logicamente havia jogadores que podiam dar mais nas vistas do que outros, mas nós ganhámos os campeonatos todos e tivemos as jornadas europeias incríveis à conta de um grande espírito e grande capacidade para vencer.Existem muitas diferenças entre o basquetebol que praticou e o de agora? Sim, mudaram algumas coisas, o jogo tornou-se muito mais rápido com os 24 segundos para atacar, enquanto na altura eram 30; em termos físicos, temos jogadores com grande capacidade atlética, no que diz respeito ao talento…… Se estivesse fosse mais novo não teria problemas em integrar-se no basquetebol de hoje em dia? Se tivesse 30 anos, eu ou qualquer jogador daquela altura não teríamos problemas. As regras são diferentes, com esta limitação dos 24 segundos, mas a nossa equipa raramente precisava dos 30 segundos para fazer um lançamento. Era um grupo que rapidamente se adaptaria ao basquetebol actual.As metas que se colocam hoje em dia em termos de selecção, sobretudo depois de Portugal ter ido à fase final de um Europeu, são diferentes do seu tempo? Houve mérito do grupo, mas a sorte procura-se e nós nesse Europeu soubemos procurá-la; agarrámos a nossa oportunidade na hora certa. Mas esse facto não espelha nem pouco mais ou menos a realidade do basquetebol português. Custa-me dizer isto porque eu gostava que a nossa Selecção estivesse sempre nas fases finais dos Campeonatos da Europa de todos os escalões, que as nossas equipas do campeonato tivessem capacidade desportiva para estarem nas competições europeias, como aconteceu em outros tempos, mas neste momento isso não existe, a não ser uns casos pontuais. Portugal acaba por ter mérito por estar presente, esperemos que no próximo Campeonato da Europa consiga atingir outra vez a fase final. É difícil, mas com trabalho poderá lá chegar.

Atletas | FPB
21 NOV 2010

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