Dinis Amaral: “A idade não é um posto”
Ricardo Brito Reis esteve à conversa com o treinador português
Treinadores
25 SET 2025
Aos 28 anos, Dinis Amaral inicia a segunda época como adjunto do ALM Évreux, na ProB francesa, depois de concluir o FECC, a maior certificação da Europa. Em miúdo, saía da secretaria da Ovarense para o gabinete do professor Jorge Araújo para ver cassetes, hoje troca ideias com Tuomas Iisalo sobre filosofia de jogo. Entre um papel de adjunto com responsabilidades de principal, a aprendizagem do ano histórico no Galomar e as diferenças estruturais que encontrou em França, o treinador fala de liderança e ambição: competir nas provas europeias a curto prazo e, um dia, chegar à NBA.
Preparado para mais uma época no Évreux?
Sim, a experiência do primeiro ano foi muito positiva. A experiência no estrangeiro também acabou por ser muito positiva e, apesar de a realidade do clube não ser das melhores numa divisão tão forte, fiquei motivado pelo facto de o clube me querer de volta. Já conheço um bocadinho os cantos à casa e, sobretudo, o projeto que têm para mim é de me fazer crescer. Por isso foi fácil aceitar e decidir cedo, e permitiu-me ir para o verão com as coisas claras na cabeça; isso ajudou-me bastante.
Que aprendizagens retiraste do teu primeiro ano?
Sobretudo fora do basquetebol, porque o nível é elevado, sem dúvida. O jogador francês é fisicamente muito mais disponível do que o jogador português da primeira divisão. No entanto, o que mais me marcou foi o dia-a-dia do clube: a quantidade de dirigentes com quem tens de lidar para tratar de diversos assuntos é algo que não existe em Portugal. Antes, a comunicação estava muito reduzida ao diretor desportivo e aos jogadores; agora tens de falar com o diretor de marketing, com o responsável pelos parceiros, com toda a gente. É uma realidade quase de clube de futebol em Portugal, e encontrar isso numa segunda divisão foi fantástico. Nesse aspeto cresci muito, porque até então tinha-me focado só no basquete e em resolver os problemas dentro do campo. Agora abri um bocadinho os horizontes a essa vertente.
Portanto, dirias que a principal diferença que encontraste foi em termos de estrutura?
Sim, sem dúvida. É claro que, a nível de qualidade, teres mais dinheiro e orçamentos maiores permite contratar jogadores melhores e o jogo acaba por ser também de maior qualidade. Estamos a falar de uma liga em que tens americanos que passaram por Portugal, foram campeões e agora aqui têm papéis quase secundários. Jogámos, por exemplo, contra Sean Willett, que foi MVP há uns anos na Liga portuguesa, e este ano vêm jogadores como Marvin Clark, que jogou no Porto e no Sporting. A nível de jogadores, é claramente superior, mas a nível estrutural não tem comparação. Em França, a liga gere tudo: tens de apresentar os orçamentos antes da época começar e só se houver condições é que o clube cumpre os requisitos e fica nas divisões profissionais. Isso ajuda a aumentar o espetáculo e simplifica o teu dia-a-dia; a tua tarefa é mais focada, não tens de acumular duas ou três funções. Ao mesmo tempo, há muito mais pessoas a trabalhar ao serviço do clube e tens de lidar com elas diariamente.
E como é o teu dia-a-dia no Évreux? De manhã à noite, como se organiza?
Tenho a sorte e o azar de estar sozinho aqui, longe de família e amigos, então dedico 24 horas ao basquete. Um dia normal começa de manhã com o grande bloco: vídeo, musculação, preparação individual pré-treino — estou no pavilhão nessa altura. Depois há treino coletivo com a equipa, sempre preparado no dia anterior ou no início da semana. No final, fazemos trabalho individual extra e reunião de treinadores para analisar o que correu bem, o que temos de melhorar, o que é urgente trabalhar no dia seguinte. Definimos também conversas individuais com os jogadores: uns precisam de apoio porque não estão na melhor forma mental, outros precisam de ser trazidos de volta à realidade e ligados à equipa.
À tarde, entre o treino da manhã e o treino individual, mais direcionado para aspetos técnicos e físicos, há o trabalho de vídeo. Nesta fase de pré-época ainda não temos scouting de outras equipas, fazemos scouting dos nossos treinos. Todos os pavilhões têm câmaras integradas, por isso vês tudo: cortas, analisamos melhorias defensivas, ofensivas e individuais. Esse trabalho é feito antes do treino da tarde, que inclui sessões de grupos de dois ou três atletas — postes, extremos, etc. No fim do dia, preparas o treino seguinte e fazes vídeo. Há sempre trabalho; se estiveres parado é que estás mal.
Notas diferença na importância do papel do adjunto em França, comparando com Portugal?
Conheço duas realidades de adjunto em França, não posso generalizar, mas para mim foi espetacular. Vim de treinar a Liga como treinador principal e podia pensar que o papel seria menor numa segunda divisão. Antes de vir, fui ao Nanterre ver os treinos do Philippe (da Silva) e do Pascal Donnadieu, uma grande figura do basquetebol francês, e percebi que o Philippe, como adjunto, coordenava todo o scouting, liderava treinos, era responsável pelo treino individual — tinha funções idênticas às que eu tinha em Portugal.
Quando falei com o treinador principal de Évreux, ele disse-me: “Sei que eras treinador principal, mas quero que venhas para aqui com responsabilidade. Não é para estares de bola debaixo do braço sem fazer nada, quero que tenhas responsabilidade”. Gostei da ideia, já conhecia o nível da liga e pareceu-me o sítio certo para começar no estrangeiro.
Cheguei mais tarde por causa do Europeu de Sub-16, na Macedónia, e inicialmente procurava o meu espaço. Mas o treinador deixou claro: “É para fazeres”. Aos poucos fui percebendo que queria mesmo que eu fizesse. O meu dia-a-dia aqui e no Galomar, há dois ou três anos, são praticamente iguais, e isso é perfeito porque tenho o mesmo nível de responsabilidade. Claro que há diferenças: estar à frente dos jogadores obriga a falar mais, mas em termos de responsabilidade estou muito contente. A relação é muito boa e a confiança dele no meu trabalho é incrível. A realidade que conheço do adjunto em França é a do Philippe no Nanterre, e o meu papel não é muito diferente do dele.
Por falar em Philippe, falei com ele há pouco tempo e disse que o teu trabalho no Évreux tinha impressionado outros treinadores. Como recebeste esses elogios?
Cresci a ver o basquetebol português e a seleção; quando Portugal foi ao EuroBasket há 14 anos o Philippe era o base dessa equipa. Eu era pequenino e vi esses jogadores a jogar. Ter um desses jogadores, por quem tenho grande admiração, a dizer essas coisas sobre o meu trabalho deixa-me muito contente. Não te consigo descrever.
O Philippe estava a treinar o Nanterre no ano passado, numa época complicada. Ele tinha o jogo sempre ao sábado e os nossos eram à sexta; estamos a cerca de uma hora e meia de Nanterre. Se não veio ver todos, esteve em quase todos os jogos em casa. Tinha o filho na equipa, sim, mas no fim dos jogos vinha ter connosco: “Vocês têm de fazer isto, têm de fazer aquilo. Muito bem ali, muito bem aqui”.
Para mim, que sempre tive a sorte de estar acompanhado por jogadores de alto nível, ter isto no ouvido na primeira vez que saio de Portugal é espetacular. Mostra, em primeiro lugar, a pessoa que o Philippe é e, em segundo, o que ele é como treinador, pela forma como quer ajudar os outros. Não lhe posso pagar o que tem feito por mim.
“Pagas”, de certa forma, porque trabalhas com o Anthony da Silva todos os dias. Dá para falar português com ele?
É verdade. Quando cheguei, só falava inglês; francês, mais ou menos. Perguntei: “Como é que vou fazer aqui?” E disseram: “Não te preocupes, falamos inglês para ti”. Mas na primeira reunião com os dirigentes tudo foi em francês. Tive de me desenrascar: Duolingo, novelas francesas, tudo para melhorar.
Nos treinos, ter o Anthony a falar português comigo foi espetacular. Estás preso a uma língua estrangeira, mas quando tens alguém que te percebe verdadeiramente na tua, é diferente. Dá-te uma naturalidade na voz: “Let’s go, guys… Tony, f***-**, corre, c******!” É diferente. No fim da época já tinha muitos jogadores a falar português; as asneiras que digo em português eles já as sabiam.
Este verão concluíste o FECC, o maior nível de certificação que existe na Europa. O que significou para ti concluir esta certificação de três anos e, por outro lado, como foi ser distinguido como o melhor da turma?
Significa muito para mim porque valorizo muito a minha formação como treinador. A formação académica que tenho — relações internacionais, política internacional, economia internacional, direito internacional — não tem nada a ver com basquetebol. Portanto, a formação que dediquei ao basquete valorizo muito, porque foram muitas horas extra desde novo.
Em primeiro lugar, ter sido escolhido pela Federação para este curso significou muito, porque é exclusivo: há muitas pessoas que querem fazer e não há lugar para todos. Ser escolhido foi um primeiro orgulho e senti que tinha de aproveitar ao máximo a experiência, independentemente de ser boa ou má.
Quando chego lá, estamos constantemente em contacto com Pablo Laso, Andrea Trinchieri, Erdem Can, Marco Ramondino, Nenad Trunić… referências. Ter a abertura de falar com eles como nós estamos a falar agora é espetacular. Mais do que os ensinamentos, são as histórias do dia a dia que valorizo. Por exemplo, o Nenad Trunić contava: “Tínhamos o playbook com 30 páginas e dávamos ao Aleksandar Abramoović. Ele lia tudo e no dia seguinte sabia todas as posições e corrigia os jogadores. Fazes o mesmo ao Teodosić, dás-lhe 30 páginas, ele enrola os papéis, faz cigarros e deita fora, nem olha.” Ouvir estas histórias de alguém com quem cresceste a ver jogar é espetacular.
E, por fim, ter essas pessoas todas a dizerem-te que és bom naquilo em que tens apostado nos últimos anos é muito bom. Posso dizer que foi uma boa experiência e fiquei muito contente.
Durante a tua carreira foste muitas vezes o mais novo da sala. Nesse curso eras também o mais novo dos quase cinquenta que estavam a tirar a formação?
Há muitos países que enviam os treinadores das seleções mais jovens, 15 ou 16 anos, por isso tens muita malta nova. O Bernardo (Pires), que também foi, é novo. Mas, por exemplo, o treinador que foi de Espanha era o que subiu de divisão com o Girona quando o Marc Gasol era jogador — foi ele o escolhido.
Tens um bocadinho de tudo: treinadores altamente referenciados com carreiras feitas, como o treinador húngaro que ganhou a Euroliga feminina há dois anos, e treinadores de países como Gibraltar, Luxemburgo ou Azerbaijão, que estão a começar e que os seus países querem que sejam os futuros selecionadores. Mas sim, tenho sido o mais novo até aqui, é verdade. Corre atrás de mim.
Ao longo destes três anos em que fizeste o FECC, tiveste de fazer grandes sacrifícios pessoais. O curso é difícil e ocupou os teus últimos três verões.
Sim. Sacrifícios pessoais e sobretudo profissionais, que acabam por ser pessoais. O primeiro ano fomos para a Macedónia durante o Europeu de Sub-16, que terminava a meio de agosto, e era a primeira vez que eu e o Bernardo íamos ser treinadores principais na Liga Masculina Portuguesa. Estávamos no mesmo quarto: fazíamos os trabalhos para passar as disciplinas e, cinco minutos depois, ele ia lá fora falar com um agente; depois eu ia lá fora falar com outro.
A nível profissional teve impactos. Este ano, por exemplo, o curso decorreu durante o Europeu de Sub-20 e, como a minha época em França começava mais cedo, não tive oportunidade de estar nas seleções nacionais. Houve sacrifícios: passo dez meses fora e nos dois meses em casa estou a fazer isto. A minha mulher dá cabo de mim… está sempre a falar! (risos)
Na tua estreia na Liga, o Galomar subiu numa promoção histórica, por teres sido o treinador mais novo de sempre a orientar na competição. Que memórias tens desse ano de conquista da Proliga e da subida? Qual foi a chave do sucesso?
A chave do sucesso foi o grupo que conseguimos criar. Unimo-nos pela missão de lutar contra todas as adversidades — é um cliché, mas é a verdade. Todos os jogadores tinham algo a provar, e eu também.
Desde os nacionais que vieram comigo, como o João Gallina e o Jeremias Manjate, que vinham de uma época difícil no Guimarães por não terem jogado muitos minutos, até aos estrangeiros: um rookie que vinha de uma lesão grave e que antes estava referenciado para o draft; o William Loyd, que este ano esteve na Liga com o Vitória de Guimarães, mas que vinha da segunda divisão da Finlândia, onde lhe disseram que nunca poderia jogar basquetebol e que dali a dois anos já não teria carreira… juntou-se um grupo de pessoas com algo a provar.
As condições eram difíceis — estar sozinho numa ilha, fazer viagens de avião no próprio dia do jogo para chegar em cima da hora — mas quando tens esta mentalidade, arregaças as mangas e trabalhas. Do ano da Proliga guardo memórias muito boas.
Do ano da Liga posso dizer que foi um ano de muita aprendizagem, sobretudo fora do campo. Sempre fui sereno, nunca fui aquele treinador que diz “sou mais novo, tenho de aproveitar” e se deixa levar pela euforia. Foquei-me no basquetebol e, como tínhamos um grupo muito bom de jogadores, trabalhei muito nisso. Mas quando chegas a um nível em que tens de controlar muitas outras coisas além do jogo, tens de dar importância a essas matérias, rodear-te de pessoas de confiança e saber delegar.
Foi um ano duro porque, quando chegas à Liga pela primeira vez, é tudo ainda um sonho e queres ter uma boa época para te confirmar entre a elite. Quando não tens a oportunidade de completar o teu trabalho, custa. Mas ficou-me algo que o Pablo Laso disse no FECC: “Para seres um bom treinador, tens de ser despedido.” Disse isso logo no início. (risos) Se calhar vinha de ser despedido do Bayern, não sei. Mas ficou comigo. No segundo ano cresci muito por causa disso.
No contexto atual, com a carreira pela frente, preferes consolidar uma trajetória internacional. Mas regressar à Liga como treinador principal é um objetivo para ti?
Já tive oportunidade de ser convidado para voltar a treinar a Liga. O momento em que recebi esse convite agora foi completamente diferente do primeiro. Vir para aqui abriu-me portas para sonhar diferente, não mais alto, mas diferente. Com estas experiências consigo redefinir muito melhor a minha carreira.
Posso dizer que gostava, num futuro, de treinar a Liga Portuguesa. O maior orgulho que tenho é representar o meu país e a minha seleção, e poder fazê-lo perto da minha família, que sempre me apoiou, é a coisa que mais quero. Infelizmente, estando longe, nem sempre conseguem estar presentes, apesar de virem muitas vezes.
Mas redefini os meus objetivos a curto e médio prazo. Neste momento sinto que posso estar a desenhar algo diferente no estrangeiro. Para já é essa a resposta; daqui a dois, três anos, um ano ou um mês, logo se vê.
Cresceste e formaste-te na Ovarense. Quando percebeste que tinhas mais futuro agarrado à prancheta do que à bola?
As minhas respostas são sempre um bocado políticas. Posso contar a versão mais caricata e a versão mais verdadeira.
A caricata: a minha mãe trabalhava na secretaria da Ovarense, era administrativa, e eu, em vez de ir para o infantário, preferia ir para o pavilhão com ela, no Raimundo Rodrigues. Nos anos 2000 eu tinha 3 ou 4 anos e o treinador da Ovarense era o professor Jorge Araújo. Ele estava sempre no pavilhão e, quando passava pela secretaria e me via, dizia: “O que estás aqui a fazer? Anda comigo.” Levava-me para o gabinete, punha as cassetes dos jogos para fazer scouting e ficávamos os dois a ver. Eu tinha quatro anos, não percebia nada de basquete, mas via os vídeos com ele a explicar: “Olha aqui, eles fazem isto, fazem aquilo.” A minha mãe diz que ele já sabia que eu ia ser treinador — é a versão dela, e eu gosto de contar.
A mais verdadeira: não fui abençoado com as melhores capacidades físicas e atléticas, mas sempre tive uma paixão enorme pelo jogo e queria ser profissional de basquetebol. Aos 12, 13 anos, comecei a treinar jogadores mais pequenos e gostava de ensinar. Quando percebi que como jogador seria complicado, mudei a mentalidade para ser o melhor treinador possível e chegar ao nível profissional. Com sorte, até agora tem corrido bem.
Passaste também como adjunto na Ovarense, com o Nuno Manarte e o Pedro Nuno. Que aprendizagens retiraste desse período?
Cresci a ver essa malta toda a treinar e a jogar; eram ídolos para mim. Estar a assistir a um treino e ver o Nuno Manarte, o Jaime Silva, o André Pinto, o Pedro Nuno… e, uns anos depois, estar sentado na mesma mesa com eles e ouvir: “Então, o que achas que devíamos fazer aqui neste bloqueio direto?” Para mim é espetacular; não dou nada disso como garantido. Nas primeiras vezes sentia ansiedade, porque eram as pessoas que cresci a ver jogar.
A aprendizagem foi muita. Estávamos num período menos bom na Ovarense, com problemas financeiros, e sobretudo no tempo do Covid foi complicado. Fui adjunto de quatro treinadores diferentes em Portugal e apanhei um bocadinho de cada um. O Nuno Manarte, atual adjunto da Seleção Nacional, a nível de metodologia de trabalho, conhecimento do jogo e dedicação, é dos melhores. Começar como adjunto dele foi muito bom. Ele é daqueles que passa horas ao computador a ver jogos e a fazer scouting. Nos primeiros tempos eu sentava-me ao lado dele só a observar; pedia: “Posso estar aqui ao teu lado sem falar? Só quero ver”. Só nisso aprendi muito.
Quando chega o Pedro Nuno, a meio de uma época conturbada, tens uma abordagem diferente: alguém formado no mesmo sítio mas com experiências noutros clubes. Um estilo de liderança distinto, uma forma de levar os jogadores ao limite e de mudar a mentalidade da equipa a meio da época — algo difícil quando tens uma dinâmica negativa. Num ano tive o equivalente a quatro ou cinco anos de aprendizagem.
E a mesma coisa aconteceu no Vitória. Quando fui para lá estava a trabalhar com o Carlos Fechas e, a meio da época, entrou o Miguel Miranda. Ter dois anos com quatro treinadores que foram referências como jogadores e também como treinadores foi muito bom; decisivo no meu processo de construir a minha própria filosofia.
Já falámos da tua idade. Alguma vez sentiste que foi ou é um entrave? Como lidas com a perceção de seres um miúdo?
Acho que a idade não importa se o teu conhecimento do trabalho, a tua postura e a forma de te relacionares com os outros forem profissionais. Se fores profissional nessas coisas, a idade não interessa. Há maus profissionais com 70 anos e bons profissionais com 20 ou 25.
A idade já foi desculpa para não ter algumas coisas, sim, já foi — posso dizer claramente. Mas acredito que, se fores profissional em tudo o que fazes todos os dias, a idade acaba por ser menos relevante. Agora, passar pelas coisas a primeira vez e depois na segunda é diferente — isso que chamam experiência existe, e respeito muito isso. Mas, para fazer um bom trabalho, acho que não é um fator decisivo. Tenho tentado contrariar essa ideia durante a minha carreira; talvez daqui a 20 anos diga que faz diferença, mas agora luto contra isso. A idade não é um posto.
Treinaste certamente equipas em que muitos jogadores eram mais velhos do que tu e provavelmente olhavam de lado no início: “O que é que este miúdo me vai ensinar?” Sentiste alguma vez esses olhares no arranque das épocas?
Claro, todas as vezes. Sempre que entro num pavilhão, seja para dar um treino, um clinic ou uma palestra, para além de ser novo sou pequeno. A malta diz: “Ah, és tu? Pensava que eras o fisioterapeuta.” Só quando falas e mostras aquilo que construíste é que ganhas respeito.
No primeiro ano no Galomar tinha 25 anos e o meu capitão era o Edson Rosário, que tinha 42 anos — idade quase para ser meu pai. A primeira vez que me apertou a mão senti que pensava: “Mandam para aqui um puto…” Posso dizer que foi o primeiro, durante os treinos, a defender-me em qualquer momento de conflito, a fazer respeitar e cumprir o que eu queria. Porque a honestidade transcende a experiência. Se fores honesto e profissional, eles seguem-te. É a forma como passas a mensagem, não apenas o que queres passar; é como consegues passar. Isso é o mais importante.
Já falaste em trabalho, honestidade e transparência. São palavras que te descrevem como treinador? Que outras usarias?
Gosto da ideia de sonhador. É uma coisa muito Disney e eu estou aqui em França… Gosto de fazer alguém acreditar que consegue fazer algo em que não acreditava. Quando consegues, sentes-te muito bem.
Se aplicares isso ao teu trabalho — não és a equipa com melhor orçamento mas sonhas estar entre a elite; não és um treinador de referência porque és novo e vens de um país maioritariamente conhecido pelo futebol mas, de repente, estás dentro da elite — gosto dessa ideia.
E, sem dúvida, o trabalho: sonhar sem meter as horas necessárias e fazer os sacrifícios necessários, como ir para longe da tua família ou trabalhar 26 horas por dia nas 24 que tens, não chega. Diria que sou sonhador e trabalhador.
Passaste pelas seleções nacionais jovens. Que diferenças notas entre os jovens portugueses e os franceses no processo de formação?
São países em momentos completamente diferentes. A própria França está num patamar distinto do que há 15 anos. O Tony Parker, antes do Wembanyama, foi incrível, o Nicolas Batum também, e contribuíram para o momento de formação que o país vive.
Aqui, o dinheiro e o investimento fazem diferença. Existe muito a cultura de “cheguei até aqui, quero retribuir à minha comunidade; vou criar uma academia, um centro onde os jovens da minha terra possam melhorar”. Isso em Portugal ainda não acontece tanto. Quanto mais pessoas tiveres a treinar ao mesmo nível, mais jogadores vão sair desse trabalho.
Fisicamente, um atleta francês de 15 anos é diferente. Dou um exemplo: o Miguel Sousa, que acabou agora o Europeu de Sub-16 e joga no Valencia, é um talento incrível e vai dar que falar. Mas o perfil físico do Miguel, aqui em França, num treino do sub-18 do Évreux, é apenas “mais um”. Em Portugal ele é a grande esperança; aqui seria só mais um. Isso vem dos centros de formação, da quantidade de estruturas, de olhos e treinadores a observar. A matéria-prima está muito mais acessível.
E trabalhar nas seleções nacionais é algo que gostas e queres continuar a fazer?
Adoro. Fiquei triste por não poder estar este verão. É algo que quero fazer sempre que houver oportunidade. Representar o país é um privilégio que poucos têm. Estás a fazer o que gostas, a tua profissão, a representar Portugal e a tentar que seja melhor no basquetebol. É uma combinação difícil de recusar, a não ser por razões que ultrapassem esse sentimento. Estás a cantar o hino antes de um jogo para representar a seleção — é indescritível. Quanto mais vezes puder, vou fazê-lo.
Há vários treinadores jovens a cimentar posição na Europa e até na NBA. Quem são as tuas grandes referências neste momento?
Adoro ouvir todos os treinadores e todos os estilos. Gosto de Pablo Laso, Ergin Ataman, Trinchieri pela personalidade. Mas sei que nunca serei igual a eles; não pelo nível que atingiram, mas pelo perfil.
Entre as minhas maiores referências está o Philippe da Silva. Não só como treinador, mas também pela filosofia de jogo: ritmo rápido, posses curtas, pressão em todo o campo, muito orientado para o bloqueio direto e sempre focado na tua equipa mais do que na adversária. É também a minha filosofia.
Outra referência é o Tuomas Iisalo. Quando saí do Galomar tive tempo para ver mais basquete e já acompanhava o trabalho dele no Bonn. Quando ele chega a França, e ao visitar o Philippe, vi que iam jogar contra o Paris Basket e tive acesso ao scouting. Investi muito a estudar e decidi enviar-lhe uma mensagem no LinkedIn. Fiz-lhe uma pergunta sobre o ataque orientado ao TJ Shorts, se tinha alternativa quando ele não estava. Pensei que não ia responder. Mas ele respondeu com um vídeo dos White Stripes, em que o vocalista explicava que, quando queria fazer uma música, fechava-se com uma palheta, uma caneta e uma folha e só saía quando encontrava a solução. E acrescentou: “Mais do que procurar uma alternativa, procuras sempre a cura para o teu vírus e vais moldando a tua filosofia.” Para mim, um treinador que estava a lutar pela EuroCup perder tempo a responder a alguém de Portugal mostra o tipo de pessoa que é. Identifico-me muito com ele.
Na NBA, destaco o Brad Stevens. Pela postura e pelo que fez, foi revolucionário, porque na altura não havia treinadores jovens. Para mim, foi uma referência. E gosto muito de treinadores como o Taylor Jenkins nos Memphis Grizzlies. Mas as minhas referências principais são estas.
Disseste há pouco que hoje em dia tens mais facilidade em desenhar o que pretendes da tua carreira a curto e médio prazo. Quais são esses objetivos?
Não tenho problemas em dizer os meus objetivos. Quando era mais novo, dizia que queria chegar à equipa sénior da Ovarense; quando cheguei à equipa sénior, disse que queria ser treinador principal; quando fui treinador principal, disse que queria ser treinador da Liga; quando fui treinador da Liga, mesmo antes de sair do Galomar, disse que queria ir para o estrangeiro.
A curto prazo posso dizer que quero treinar uma equipa que esteja em competições europeias, quero conhecer o dia-a-dia de uma equipa que joga provas europeias. Gostava de o fazer como treinador principal. Se surgir a oportunidade, vou fazê-lo; se tiver de caminhar para chegar lá de forma mais sustentada, farei isso.
A longo prazo, o objetivo é o mesmo da maior parte dos miúdos que começam a jogar basquete: quando era criança via a NBA, e o meu sonho é um dia poder chegar à NBA. Não como jogador — não tenho altura nem qualidade para isso — mas se um dia puder treinar uma equipa da NBA, seria o topo, o último patamar.


