“Não parei de trabalhar, todos os dias”

Entrevista a Sara Barata Guerreiro

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25 FEV 2024

No quarto ano na NCAA, Sara Barata Guerreiro está a viver o momento mais feliz desde que atravessou o oceano Atlântico. A internacional portuguesa encontrou o seu espaço na equipa da universidade de Cleveland State e, em entrevista a Ricardo Brito Reis, confessa que a vontade de representar a Seleção Nacional foi a principal motivação para ultrapassar os momentos de frustração em épocas anteriores.

 

Qual é o balanço que fazes desta época 2023-24?
Acho que tem sido uma época bastante positiva. Individualmente tem sido a época mais produtiva desde que estou nos Estados Unidos. O nosso registo é 25-4, estamos bastante bem como equipa, no topo da conferência. Comecei a jogar na posição 2, e isso importa neste sistema, porque defendemos zona e jogar em cima ou em baixo é importante. Quando cheguei a Cleveland State jogava no topo da zona, como jogadora da posição 2, depois houve um ajuste e eu mudei para a parte de baixo da zona. Agora jogo na posição 3 e correu bem. Encontrei o meu papel na equipa. Tenho sido uma jogadora importante no capítulo dos ressaltos e no contra-ataque. Jogo a jogo tenho conquistado mais espaço, a minha pontuação também subiu.

Estás no teu quarto ano de NCAA e, por causa da pandemia, tens mais um ano de elegibilidade. Qual é a tua ideia?
Ainda não tenho uma decisão definitiva, mas continuar nos EUA está em cima da mesa. As duas coisas estão em cima da mesa.

As duas coisas? Ficar por aí ou voltar para a Europa?
Sim. Mas ficar é definitivamente uma opção, claro.

Falaste da tua importância no ressalto e de como estás cada vez mais confortável para sair em transição, com ou sem bola.
Sim, estou muito mais confortável. Se vires jogos meus do início da época, não há jogadas minhas de costa a costa. Isto foi a confiança que fui construindo. É o meu quarto ano aqui e tive de ter muita paciência para fazer erros e esperar pela minha altura. Antes, ganhava o ressalto, passava à base e ia-me embora. Agora não.

Em termos ofensivos, quando são obrigadas a jogar 5 contra 5 em meio-campo, qual é o teu papel e o que é que sentes que tens feito melhor este ano?
O meu treinador é um… “firm believer” em atacar o cesto e marcar na área pintada. Em Portugal, eu era mais uma jogadora com muito lançamento em suspensão. E é uma coisa que eu tenho trabalhado com ele. Está sempre em cima de mim, sempre na minha cabeça, porque quer que eu vá para a linha de lance livre. E tenho vindo a desenvolver o ataque ao cesto, “clear side” em “ball screens”. Com mais minutos, mais repetições, mais lançamentos, a minha percentagem de três pontos também subiu e o meu papel é fazer 10, 12 pontos por jogo. E ressaltos, muitos ressaltos.

Este ano estás a fazer máximos de carreira em vários itens estatísticos. Obviamente, isso está relacionado com o facto de teres mais minutos, mas também mais confiança. Tens eficácias de 49.7% de lançamentos de campo e 48.7% de três pontos, que são percentagens incríveis. Achas que o facto de ele ser um “firm believer” de que deves finalizar na área pintada, que deves procurar as penetrações e sacar faltas, está a dar-te mais ferramentas para conseguires absorver impactos debaixo do cesto e ires à procura do contacto físico? Achas que isso vai fazer de ti uma jogadora mais completa?
Completamente. Era uma parte do meu jogo que eu achava que tinha, mas não tinha. Quando cheguei aos Estados Unidos, eu era a jogadora mais “finesse” a jogar debaixo do cesto e isso teve impacto em como as coisas ocorreram na Flórida. Mas para o futuro, definitivamente vai ajudar-me. Está a mudar o meu jogo e é para melhor.

Este ano está a correr muito bem, mas tiveste três anos de algumas frustrações, sozinha, em que terás sentido falta da tua família, dos teus amigos. Como é que se lida com esses momentos? Três anos não são três dias. Não será fácil aguentar, do ponto de vista mental, a vontade de quereres mais, sentires que consegues dar mais e não teres essa oportunidade.
Tive de ter paciência e não parei de trabalhar, todos os dias. E uma coisa que me motivou sempre era a Seleção Nacional. Era o que me motivava, para ser honesta. Passava o ano a investir, a treinar, sem saber se ia jogar quatro minutos ou 15 minutos. Era sempre inconstante. Esperava todo o ano que chegasse o verão para voltar a ganhar aquela paixão pelo jogo. E cada ano acreditava mais um bocadinho e continuava a trabalhar.

E o que é que te faz tão feliz quando vens à Seleção?
Como, quando eu era mais nova, me corria sempre muito bem, a confiança era outra. Nos Europeus eu sentia que era uma jogadora com algum sucesso, na formação. Chegava a Portugal e dizia “afinal eu sei lançar”. Porque duvidava.

Duvidavas?
Sim, já duvidava. Já duvidava de mim. No ano das Universíadas foi a primeira vez que eu estive com o Ricardo Vasconcelos e foi incrível. Depois via as minhas colegas de equipa, que saiam dos Estados Unidos e continuavam a jogar, e isso impactava-me muito. Fazia-me voltar a acreditar que vale a pena… que a minha vida não depende dos Estados Unidos. No meu “sophomore year” na Flórida, mentalmente estava num sítio difícil. Atrevo-me a dizer que a altura mais complicada foi quando eu meti o meu nome no “transfer portal”. E estar na Seleção, nesse verão, com o Ricardo e com as minhas colegas, motivou-me bastante.

Trabalhaste com o Ricardo Vasconcelos na Seleção Nacional. Sabendo que a equipa técnica nacional vê para além dos números, no fundo aquilo que estava a deixar-te sem confiança, o que é que te fazia sentir valorizada?
Às vezes, quando eu não lançava, o Ricardo perguntava “porque é que que não lançaste?”. Houve um estágio que ofensivamente não me tinha corrido nada bem. Houve um primeiro jogo de preparação e eu comecei no cinco inicial. Depois ele chamou-me, no treino a seguir, e perguntou-me porque é que eu achava que tinha começado no cinco. E eu respondi “não sei”. E ele disse “por causa da defesa”. E eu: “Olha, não sabia que defendia bem”. Eram pequenas coisas que eu podia adicionar ao jogo que não apareciam na estatística. Porque eles aqui, nos Estados Unidos, são loucos pelos números e pelas percentagens. E em Portugal aprendi as coisas pequenas que podia dar ao jogo. O Ricardo diz-me que eu tenho de encontrar uma parte no jogo que só a Sara pode dar.

Encontrar o teu papel?
Encontrar o meu papel. Porque a Seleção já tinha formado a sua identidade. Foi um treinador, nestes últimos dois anos, me deu mais força para continuar. E para acreditar que posso continuar a jogar.

E este ano estás a ter um papel de grande relevo. És a quarta jogadora mais utilizada da equipa, com quase 27 minutos de média por jogo. E, até pelas tuas palavras, nota-se que sentes que és importante para o sucesso da equipa.
E o meu treinador também me diz isso.

Sentes que, ficando mais um ano nos EUA, vais estar mais tranquila e focada apenas em impactar os jogos? Achas que já conseguiste provar o teu valor?
É exatamente isso. No início desta época tive de lutar por minutos e pela minha posição. Mas não entrei a sentir que era importante aqui. Só me apercebi disso durante a época.

Como é que é a tua equipa?
É das melhores equipas em que estive, em termos de conexões. Somos bastante unidas. Mas a malta é toda humilde e damo-nos muito bem. E acreditamos que temos uma hipótese bastante grande de ir ao March Madness.

Lideram a vossa conferência, a Horizon League. Têm feito vários jogos intra-conferências e jogaram contra Iowa, em que o teu “matchup” foi a Caitlin Clark, provável 1.ª escolha do draft da WNBA. Como é que foi esse momento, com tantos olhos em cima de vocês?
Foi surreal. Jogamos para estes momentos. Estar dentro de campo com a primeira “pick” do draft é especial. O pavilhão estava cheio, mas nós não estávamos ali para a ver jogar. Mas as postes delas destruíram o nosso jogo anterior. Foi uma experiência incrível. E a Caitlin não é deste mundo, honestamente.

Conta-me tudo.
Ela fala muito! Fizemos uma jogada para mim, um isolamento no “high post”. E quando fui para o cesto, tentei criar contacto para sacar uma falta e ela caiu. E disse-me uma frase e eu respondi-lhe em português [risos].

Que feedback é que tiveste ao longo da época, aqui de Portugal?
Tenho recebido mensagens e a minha maior alegria é os meus pais verem que eu estou bem. Para eles, os três anos anteriores também não foram fáceis. Tem sabido bem, mas ainda não estou satisfeita. É só o início.

Quais são os próximos passos? Quais são os teus objetivos imediatos e mais lá para a frente?
A curto prazo, é acabar esta época da melhor forma. E quando sair dos Estados Unidos, quero sentir que fiz tudo para atingir o meu potencial. Quero ir para a Europa, mas o maior objetivo de todos é a Seleção sénior. É uma coisa que, nestes últimos anos, esteve sempre na minha cabeça

Na Seleção há jogadoras que jogam na Europa e já passaram pelos Estados Unidos. Fazes muitas perguntas sobre essa transição?
Sim, sim. Aqui, temos o conforto do quarto da universidade, os treinadores tratam de tudo. Na Europa passamos muito tempo sozinhas, estamos ainda mais por nossa conta, mas eu estou ansiosa que esse momento chegue, porque aqui cuidam de nós e às vezes é demasiado.

Em relação aos estudos, como é que está a correr?
Este ano vou graduar-me com licenciatura em Engenharia Mecânica e, se ficar mais um ano, consigo acabar o mestrado. Este verão posso fazer uma “internship” e saio daqui com o mestrado feito.

E vens com a sensação de dever cumprido?
Completamente.

 

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