Sara Ferreira: “O basquetebol promove aprendizagens que nenhuma outra escola faculta”

Entrevista da vice-presidente da FPB

FPB
21 MAR 2023

A Federação Portuguesa de Basquetebol continua a associar-se ao Mês da Mulher e na sequência das entrevistas já publicadas, desta feita foi Sara Ferreira, vice-presidente da FPB, que abordou a sua carreira desportiva e comentou sobre a evolução da modalidade.

A dirigente federativa recorda a forma como o basquetebol entrou na sua vida, relembrando a infância na Figueira da Foz:

Desfrutei do privilégio de ter vivido na Figueira da Foz na época de ouro do Basquetebol. No início dos anos 80, a minha irmã, jogadora e fã da modalidade, levava-me a assistir aos jogos do Ginásio Clube Figueirense. Ainda nos anos 80 e 90 tive a oportunidade de conhecer os jogadores das melhores equipas portuguesas e assistir aos treinos de craques nacionais das quais eu era fã, como o Eustácio, o Lita, o António Almeida, entre muitos outros. Naquela altura o basquetebol era a modalidade desportiva número um na Figueira da Foz. O campo das famosas “traseiras” atraía as estrelas do basquetebol da altura bem como os jovens que já tinham gosto pela modalidade. No final da tarde de praia, o encontro era nas traseiras. Então, a paixão ia ganhando forma e um dia fui, timidamente, com uma grande amiga treinar ao Ginásio Clube Figueirense e nunca mais me separei. A paixão foi crescendo e com a ajuda dos treinadores que me iniciaram como o Bóia, João Paiva (que tanto na cabeça me deu), Luís Filipe, Samuel Veiga e o Sr. Penicheiro, determinantes no contágio pelo gosto da modalidade.

Qual é a memória que melhor recorda quando pensa naquilo que viveu no basquetebol?

Não são quantificáveis as boas memórias, recordações ou momentos que o basquetebol me permitiu viver. Fazendo um grande esforço para isolar as memórias mais mágicas vividas no campo, terei que me recordar dos jogos em que olhava subtilmente para a bancada e observava a felicidade da minha mãe, que pouco percebia da modalidade, mas que se deliciava com os meus cestos e isso impulsionava uma maior produção de dopamina, neurotransmissor responsável pela motivação intrínseca, pese embora não de todo alheada extrinsecamente da mesma,  bem como o impulso e o foco que me permitiam, vezes sem conta, melhorar os meus níveis de desempenho e era quando apareciam uns triplos seguidos, dos quais ninguém estava à espera.

Hoje, à distância e pela minha formação académica, consigo perceber o que se gerava no meu cérebro naqueles momentos no campo, com a equipa, com o público, com o adversário, com o resultado, com a bola na mão, com o último cesto, e como geria e auto-regulava todas estas emoções.

Foram imensos e intensos os momentos que o basquetebol me presenteou, na verdade…

Como vê a evolução do basquetebol feminino em Portugal?

Num país tão eminentemente futebolístico, o resto dos desportos tem mais dificuldade de destaque e receber a atenção que, sem dúvida, também merecem. No entanto, o basquetebol feminino tem assumido uma quota de reconhecimento graças a fatores como a repercussão dos êxitos das nossas seleções, o apoio direto da Betclic e todo o marketing digital que envolve a modalidade.

No entanto, ainda temos muitas formas para progredir. Conhecemos as nossas limitações físicas, difíceis de contestar, mas penso que o aspeto mental das nossas atletas pode ser uma alavanca importante no desempenho e um desafio de futuro. O mental é como uma fronteira por explorar. O maior rival das jogadoras estará nas suas cabeças, então temos de apostar na inteligência emocional e na sua preparação mental. Necessitamos que esta relação de auto-regulação emocional/comportamental vs. rendimento seja incorporada no dia-a-dia dos preparadores desportivos, para além do bom domínio técnico e tático já revelado pelas jogadoras, nomeadamente, aprenderem a conviver com o stress, a mostrarem-se valentes perante o medo, a terem hábitos de vida saudáveis, a serem resilientes perante deceções, a terem autocontrolo. Acredito que quando conseguirmos viver as emoções, já que são elas que conferem um ânimo “extra”, quando as conseguirmos dominar, alcançaremos os resultados que mais desejamos.

A entrada da Betclic trouxe maior visibilidade e a campanha das seleções nacionais mostraram que o basquetebol feminino passa por um bom momento. Como capitalizar sobre esse crescimento?

A entrada da Betclic assume um novo paradigma de visibilidade do basquetebol, dando passos importantes para a igualdade e equidade, conceitos que na verdade já deviam estar fora de moda, mas infelizmente ainda falamos deles. A atual parceria entre Betclic e FPB tem reduzido a distância e tem permitindo o crescimento da competição feminina, no entanto, ainda há um longo caminho a percorrer. Assumindo a Betclic como valores “que a dedicação e a paixão, nenhuma destas coisas se cinge ao género”, é um passo gigante para a modalidade, é verdadeiramente “dar o salto”.

Sem dúvida que a campanha da seleção sénior feminina mostra que estamos no caminho certo e que todo o processo leva o seu tempo e que estamos emocionalmente perto.

Conseguiremos capitalizar sobre esse crescimento promovendo e reforçando os aspetos ja salientados num contexto neurodesportivo, o que se insere no âmbito ainda incipientemente integrado que deriva dos conhecimentos e práticas resultantes da evolução recente das neurociências, criando contextos desportivos emocionalmente inteligentes.

Que conselho daria a uma jovem que começa agora a jogar basquetebol?

Dir-lhe-ia que a prática do basquetebol promove determinadas aprendizagens que nenhuma outra escola faculta. Que quando vai treinar deve ir com entusiasmo, com alegria e com o coração. Que deve jogar muito street-basket, ver muitos jogos e seguir os seus ídolos. Acreditar que os seus sonhos podem ser concretizados com trabalho, dedicação, esforço, resiliência e emoção.

Aos seus pais, os maiores aliados da jovem para continuar a sua prática, dir-lhes-ia que o basquetebol ensina a lidar melhor com as emoções, a trabalhar para uma mentalidade de crescimento, o que em psicologia se denomina growth mindset, que na verdade não é mais do que acreditarmos que temos capacidades que podem ser aprendidas e melhoradas através do treino, do esforço, do espírito de sacrifício e da perseverança. Referia-lhes também que o desporto em geral e o basquetebol em particular, desenvolve novas capacidades, melhora os reflexos, auxilia no trabalho em equipa e gera novas e muitas vezes experiências relacionais para a vida.

E se quisermos ter um outro olhar, ainda lhes poderia dizer que tudo indica que a prática desportiva contribui para uma melhoria das funções executivas. Ou seja, que o desporto contribui para que no futuro a sua filha seja mais determinada na definição de metas e no seu alcance, melhor a sua atenção/concentração, apresente maior flexibilidade cognitiva, na verdade, posso arriscar dizer que o cérebro da jovem irá melhorar com a prática do basquetebol.

Por fim, e não menos importante permite o que todos nós sabemos, uma maior concentração de serotonina na corrente sanguínea, uma diminuição dos níveis de stress, tão presentes nos nossos jovens, uma melhoria do humor e na qualidade do sono, processos vitais para um desenvolvimento saudável. Explicava assim alguns dos benefícios da prática desportiva e a necessidade e importância de as famílias participarem nesse processo, com apoio afetivo, com implicação moderada, sem pressionar, transmitindo o valor do esforço e do sacrifício. É, garantidamente, a aposta certa!

FPB
21 MAR 2023

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