«Jogámos como ‘loucas’»
Ainda está na memória de todos os que acompanham a modalidade a forma quase heróica como a Seleção de Sub 20 feminina se bateu, tendo em conta o azar que lhe bateu à porta, no último Europeu.
Atletas
13 SET 2012
Numa entrevista concedida ao Diário de Aveiro, Inês Faustino conta como foram vividos os dias de competição em Debrecen, na Hungria, onded metade da equipa foi acometida de uma intoxicação alimentar. A manutenção não foi alcançada, bem como foram garantidas alguns triunfos, nada que tenha a ver, como nos diz Inês, com falta de empenho ou atitude.
Portugal não conseguiu garantir a manutenção na Divisão A europeia do escalão Sub-20, mas não foi por falta de empenho das atletas, conforme esclarece Inês Faustino. O caso mereceu uma forte reação por parte da Federação, no sentido da defesa da s atletas bem como da verdade desportiva. A Federação Portuguesa comunicou à FIBA o seu degrado pela situação, exigindo que algo fosse feito na defesa dos interesses da equipa nacional. As jogadoras não mereciam passar por tamanha desigualdade competitiva, pelo que chegou a sugerir que nenhuma Seleção fosse relegada para a Divisão B. O Presidente Mário Saldanha mostrou-se sempre solidário e orgulhoso pela forma como o grupo lutou contra todas as adversidades, mas reconhecia que se sentia impotente para lutar contra a situação criada.A jovem e talentosa base, que tem um percurso impressionante na modalidade, sendo uma certeza do basquetebol nacional, foi uma das seis atletas que não foi debilitada com uma intoxicação alimentar e lutou em todos os jogos até à exaustão para que Portugal não saísse de Debrecen (Hungria) com a descida de divisão consumada. Inês Faustino, que assume que a estreia na Divisão A do Campeonato da Europa foi um dos pontos altos da sua carreira basquetebolística, nesta entrevista dá-nos a visão de quem viveu a prova por dentro e que teve que lidar com uma série de imprevistos, infortúnios que fizeram mesmo com que Portugal se tenha apresentado debilitado em praticamente todos os encontros, tornando mais difícil uma tarefa que já não se apresentava fácil, não fosse a primeira vez que Portugal (terminou na 14ª posição) competia ao mais alto nível europeu neste escalão etário.Apesar de contar com a presença em muitos Europeus, foi a primeira vez que disputou uma Divisão A. Que balanço faz?A minha presença no Campeonato Europeu de Sub-20 – Divisão A foi, sem dúvida, um dos momentos mais importantes na minha vida de basquetebolista e para o qual criei muitas expectativas. Esperava participar nele e manter o lugar para as colegas do ano seguinte, mas, por razões que nos foram alheias, o azar bateu- nos à porta e deixámos a Divisão A com o sentimento de impotência, mas de dever cumprido.Foi arrasador, pois jogámos como “loucas”. Ou seja, demos tudo o que tínhamos para dar, tendo chegado ao ponto de, muitas vezes, nem sentirmos as pernas devido à exaustão, mas só pensávamos em ganhar e em nada mais. O grupo era muito coeso e essa união foi decisiva para mantermos a moral e o apoio das colegas doentes minorava as dores e o cansaço sentido. Por isso, conseguimos algumas vitórias. Foi pena, pois percebemos que estávamos ao nível de outras equipas que se mantiveram nesta divisão, mas, como em tudo na vida, a falta de sorte também é um fator que afeta negativamente os resultados. Fica, assim, a experiência, que vale como base para situações futuras.“Não desisti perante as adversidades”E, individualmente, ficou satisfeita com a sua prestação?A minha prestação, tal como a das minhas colegas, foi consistente, muito intensa e combativa – a nossa prestação não envergonhou a nossa Seleção neste evento. Não desisti perante as adversidades com que nos deparámos e, nas horas difíceis, apoiei e senti-me apoiada, independentemente de ter tido, ou não, boas estatísticas. O importante era o resultado da equipa.Sentiu uma grande diferença entre o nível de jogo que habitualmente se pratica nas divisões “B”?É significativamente diferente, dado que a Divisão A apresenta equipas com um nível basquetebolístico muito superior, com um conjunto de seleções mais equilibradas. As equipas não têm grandes diferenças entre si, o que eleva o nível competitivo. Outro aspeto a realçar é que podemos observar e contactar com as grandes jogadoras e seleções europeias, que só muito remotamente vamos encontrar no nosso trajeto desportivo, sendo que o mesmo não acontece na Divisão B. Metade da Seleção Nacional foi afetada por uma intoxicação alimentar, o que condicionou a equipa, que efetuou várias partidas com apenas seis atletas… A nossa Seleção confrontou-se com uma intoxicação por salmonelas, que “atacou” seis das 12 jogadoras que compunham o grupo. Assim, o primeiro jogo foi disputado com 11 jogadoras, enquanto que nos três seguintes apenas participaram seis. Nos quatro jogos seguintes, pudemos contar com a preciosa colaboração de mais duas colegas, que “refrescaram” as seis “solitárias”. Mas, mesmo com essa ajuda, não conseguimos cumprir o nosso objetivo e o esforço hercúleo feito de “nada valeu”. O segundo jogo, com a Itália, gorou praticamente todas as expectativas com que chegámos à Hungria. O sonho da Divisão A “abandonou-nos”, mas ficou a imagem de uma Seleção combativa, que nunca baixou os braços.Com a equipa completa, acredita que Portugal teria evitado a descida?Tínhamos todos os ingredientes para nos mantermos na Divisão A, pois possuíamos atletas motivadas e preparadas para disputar os jogos. Tínhamos estratégias para ultrapassar as adversidades dentro das nossas limitações. Com todas as jogadoras era possível “rodar toda a gente”, mas, com metade das jogadoras, alcançar a manutenção só talvez por milagre. A sorte não esteve do nosso lado e fomos batidas. Foi terrível para todas!“Ainda que efémeras, foram vitórias inesquecíveis”Aos 20 anos, já participou em cinco Europeus, em duas edições da Eurocup Women e ganhou tudo o que há para ganhar em Portugal. Continua a sentir prazer a jogar basquetebol?Quase metade da minha vida foi passada a jogar basquetebol, daí que neste percurso tenha vivido momentos de grande felicidade. Ainda que efémeras, foram vitórias inesquecíveis. Mas, tais acontecimentos só tiveram sentido porque traduziram o coroar de muito trabalho, sacrifício, abnegação e muita força de vontade. Passados todos estes anos, não consigo parar de jogar e tenho sacrificado diariamente a minha vida pessoal para dar continuidade a este prazer imenso que é jogar basquetebol. É como um vício do qual não nos conseguimos libertar, é algo que nos é existencialmente intrínseco. É uma maneira de estar na vida.Gostaria de ter uma experiência num campeonato estrangeiro?A possibilidade de ter uma experiência no estrangeiro, para mim, era fabulosa, mas só teria sentido depois de tirar o meu curso. Este é o instrumento que me pode possibilitar outros voos, pois em Portugal não se pode viver do basquetebol e no estrangeiro tem que se ser excelente, uma vez que ser bom não chega.Quais são os seus objetivos a curto/médio prazo na modalidade? Os meus objetivos, a curto e médio prazo, são continuar a jogar numa equipa competitiva, melhorar a cada dia, e, quando acabar o meu curso, continuar a conciliar a atividade profissional com a desportiva, quer seja em Portugal ou noutro país.